Escolas e igrejas ainda são endereços de moradia para mais de mil pessoas atingidas pela chuva na Região Serrana do Rio de Janeiro. Passados mais de 80 dias, muitos dos sobreviventes da maior tragédia climática do país ainda aguardam o pagamento do Aluguel Social e desafiam o perigo retornando para casas interditadas pela Defesa Civil. A chuva que devastou as cidades aconteceu na noite de 11 de janeiro e deixou mais de 900 mortos.
Garimpeiros da tragédia
Outros viraram “garimpeiros” da tragédia e reviram entulhos em busca de fios de cobre, tênis e outros objetos que podem ser revendidos a ferro-velhos e brechós. João Ramos, de 58 anos, passa o dia tentando quebrar pedras com a ajuda de uma pequena estaca. Ele diz que um caminhão lotado de pedras rende até R$ 200.
Homem garimpa material entre os escombros para depois revender
Enquanto alguns tentam a sobrevivência em meio ao caos, outros concentram os esforços para reerguer as casas destruídas. O caseiro José Otávio dos Santos, de 53 anos, trabalha junto com outros quatro homens na reforma da casa do patrão. Morador de Campo Grande há 26 anos, ele teme que o bairro não volte mais às condições pré-desastre e seja esquecido pelas autoridades.“Esse bairro aqui era muito bonito, mas agora tomei trauma, acho que mesmo depois da reforma o meu patrão não volta mais para essa casa. Aqui o trabalho está de formiguinha”, disse o caseiro.
Quem ainda insiste em continuar morando em Campo Grande fala das dificuldades. A luz só voltou ao bairro no final do mês de março. O serviço de telefonia segue sem funcionar. Supermercados, padarias e açougues fecharam as portas e os ônibus nem chegam mais ao bairro que deu lugar a uma montanha de pedras. O ponto de ônibus mais próximo fica a dois quilômetros de distância.
Mil pessoas sem aluguel socialO pintor Moacir Siqueira da Rocha disse não ter outra opção a não ser voltar para a casa interditada, já que sua família ainda não recebeu o aluguel social, que é a ajuda financeira aos desabrigados no valor de R$ 500 por mês durante o período de 1 ano. A Prefeitura de Teresópolis informou que 3.500 pessoas se inscreveram para receber o benefício, mas, por falta de recursos, apenas 2.500 vão ganhar o auxílio.
Casa parcialmente destruída ainda guarda armário em Teresópolis (Foto: Alexandre Durão/G1)
Logo após as chuvas, a prefeitura se comprometeu a pagar o benefício às mil pessoas inscritas restantes, mas, segundo a assessoria do município, "após uma análise das contas, a administração percebeu que só poderia arcar com o pagamento do aluguel social de 300 pessoas". A primeira parcela do auxílio foi paga a 200 pessoas dois meses após a tragédia. Outras 100 ainda não receberam o benefício, que segundo a administração será pago até 11 de abril.De acordo com o município, a prioridade no programa é para moradores que tiveram as casas totalmente destruídas pelo temporal, assim como para vítimas que têm filhos menores de idade. Cerca de 300 pessoas tiveram o pedido de benefício rejeitado por não apresentarem documentação ou por fraude. Mais de 250 pessoas ainda moram nos cinco abrigos espalhados pela cidade.
Entenda os trâmites pós-chuva
Data | Acontecimentos |
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12/01 | Cidades da Região Serrana decretam estado de calamidade pública no Diário Oficial dos municípios correspondentes |
13/01 | Diário Oficial da União publica portarias reconhecendo o estado de calamidade pública nas cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo |
14/01 | Diário Oficial da União publica autorização de transferência de recursos para socorrer as cidades afetadas pela chuva |
20/01 | Começa a inscrição do Aluguel Social pelo governo do estado |
21/01 | Diário Oficial da União publica autorização do INSS de antecipar o resgate do benefício e do FGTS para os moradores das cidades que decretaram estado de calamidade pública |
28/01 | Funcionários da Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos terminaram, na cidade de Teresópolis, o cadastro de 2,5 mil pessoas no Aluguel Social |
15/02 | Governo do estado paga a primeira parcela do Aluguel Social às vítimas da chuva na serra |
18/03 | Governo do estado paga a segunda parcela do Aluguel Social às vítimas da chuva na serra |
Nova Friburgo
Em Nova Friburgo, a situação ainda é de angústia para muitos moradores e comerciantes. No centro da cidade, operários trabalham na retirada da lama e na reconstrução da Praça do Suspiro, onde fica o teleférico e o Teatro Municipal.
Empresário inventa outros modos para vender lingerie
O empresário Carlos Eduardo Lima, de 36 anos, contabilizou um prejuízo de R$ 400 mil em seus negócios após a chuva de janeiro. Ele é dono de cinco lojas de moda íntima, além de uma confecção. Para dar continuidade às atividades, ele recorreu aos empréstimos oferecidos pelo BNDES e pelo Banco do Brasil exclusivamente para os atingidos. As dificuldades fizeram Carlos Eduardo adotar outros modelos de venda, como o comércio on-line e o tradicional porta em porta.“Fiquei com uma das lojas fechadas por 40 dias. Para correr atrás do prejuízo, passei a abrir as lojas em todos os feriados. Além disso, estou ligando para clientes e marcando um local para mostrar nossos produtos a um grupo, isso pode acontecer tanto em residências como até mesmo no local de trabalho. A partir de abril começo também com vendas de lingerie pelo site da loja”, disse o empresário.
Carlos Eduardo também criou uma campanha para estimular a renovação da cidade. Ele passou a distribuir adesivos com a inscrição "Eu Amo Nova Friburgo" a amigos, clientes e moradores do município.
“Essa não é a hora de lamentar pelo o que aconteceu. Quero ajudar a resgatar o orgulho dos friburguenses e incentivar a reconstrução da cidade”, disse o comerciante.
Famílias em abrigos
A Prefeitura de Nova Friburgo informou que duas parcelas do aluguel social foram pagas a 2.336 famílias, mas que ainda há outras 1.720 aguardando o auxílio mensal de R$ 500. Mais de 340 famílias ainda continuam morando em abrigos.
Luciene ainda mora na casa interditada; a irmã Eliane também teve a residência lacradaA doméstica Luciene Silva é uma das que ainda busca receber o aluguel social. Ela continua morando na casa interditada pela Defesa Civil, já que ainda não tem o benefício.
“O preço do aluguel subiu muito e como ainda não ganhei o aluguel social, não tenho dinheiro para pagar uma outra casa”, argumentou a doméstica.Em Petrópolis, outra cidade afetada pela chuva, o auxílio do governo foi pago por etapas a 878 pessoas. No município, ainda há 35 famílias morando no Centro de Treinamento dos Correios.
Da Redação com G1
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