Na atual geografia do poder, fica fora do Palácio do Planalto o gabinete  do ministro mais influente dos primeiros cem dias do governo Dilma.  Para ser mais preciso, no quinto andar do quinto prédio contado a partir  do Palácio, onde despacha o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Poucos  são os que sabem distinguir onde termina o que Dilma pensa e começa o  que acha e quer Guido Mantega. São coisas que se confundem e ajudam a  explicar a fonte de seu poder. Mantega é o sujeito oculto e a face  visível de alguns dos principais atos da administração federal, quando  ela comemora o centésimo dia da nova governança. Em seu nome foram  abertos os créditos do governo; a fatura também será enviada para seu  endereço.
Mantega é um dos raros ministros a serem recebidos sozinhos no gabinete  da presidente Dilma Rousseff, sem o onipresente e zeloso Antonio Palocci  (Casa Civil) - os outros dois são o próprio Palocci e o ministro do  Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. O  chanceler Antonio Patriota também já despachou a sós com Dilma, mas o  ministro das Relações Exteriores integra um núcleo à parte do centro das  disputas de poder palacianas, ainda em processo de configuração.  Pimentel é amigo de juventude da presidente; Palocci aproximou-se na  campanha; e Dilma tem afeto por Mantega, embora por vezes ache que ele é  um tanto quanto atrapalhado (ela considerou um desastre sua entrevista  sobre os cortes no Orçamento).
Com discrição, Palocci tomou conta da coordenação política do governo,  que no papel é da responsabilidade do ministro Luiz Sérgio (Relações  Institucionais). Mas quando se tratou das mudanças na Caixa e no Banco  do Brasil (BB), Guido Mantega passou o rolo compressor sobre posições,  inclusive, consideradas intocáveis pelo PT. O ex-presidente do partido,  Ricardo Berzoini (SP), é um poço de mágoas com o ministro. Bancário, viu  escorrer por entre os dedos a influência que mantinha nos bancos  oficiais. Mantega só não emplacou o nome do novo presidente da Caixa  porque Dilma, diante da opção apresentada pelo ministro da Fazenda,  disse preferir o nome de Jorge Hereda, responsável, na Caixa, pela  execução do programa Minha Casa, Minha Vida.
Decidida a sucessão na Caixa, Dilma pediu para Mantega resolver o  restante da diretoria com Hereda e também atender as demandas políticas  compromissadas, assunto encaminhado com habilidade por Palocci com o  PMDB. Foi assim que o ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB) e o  ex-senador Osmar Dias (PDT) acabaram sendo nomeados para  vice-presidências da Caixa e do Banco do Brasil. Palocci deve resolver  ainda duas outras pendências da chamada "lista vip" do PMDB: os  ex-governadores Orlando Pessuti (PR) e José Maranhão (PB). Segundo um  dirigente petista com acesso aos gabinetes palacianos, Palocci "está  mandando muito, mas não tanto quanto gostaria" - refere-se,  provavelmente, à economia, área sobre a qual Palocci pode palpitar, mas  não tem influência.
Segundo apurou o Valor, a presidente Dilma Rousseff também ouve Palocci  sobre assuntos referentes à economia, embora o ministro e seus  assessores neguem enfaticamente a informação. Anormal seria que não  falassem: Palocci está em praticamente todas as audiências de Dilma,  conversa frequentemente com a presidente, seus gabinetes são próximos.  Não importa que Palocci não reze a mesma cartilha da presidente. Guido  Mantega, sem dúvida, é o interlocutor mais assíduo da presidente em  assuntos econômicos, seu principal operador nessa área, ao lado do  presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Mantega é obrigado a discutir com Dilma todos os aspectos da política  econômica, porque ela entende e se considera do ramo. Isso não significa  dizer que a presidente não beba em outras fontes. Fala sempre com o  presidente do BNDES, Luciano Coutinho. E quase todo dia, como se diz no  PT com algum exagero, com o economista, ex-ministro, ex-deputado e guru  de várias gerações de governantes Antonio Delfim Neto. Prova de que  Dilma não tem preconceitos quando se informa sobre a economia é que além  de Palocci ela também tem ouvido o ex-presidente do Banco Central  Henrique Meirelles, outro que nega que venha palpitando sobre alguma  coisa.
Na conta de Guido Mantega ficou pendurada também, nesses cem dias, a  sucessão na Vale, talvez a mais bem sucedida empresa privada brasileira.  Foi Mantega quem operou com os acionistas da companhia a substituição  do executivo Roger Agnelli na presidência da Vale. Para o lugar foi  indicado o executivo Murilo Ferreira. Uma surpresa nos mercados e na  cúpula do PT, que esperava a indicação de Tito Martins, comandante da  Vale no Canadá, e, segundo os petistas, o nome preferido de Palocci.
Guido também influiu na escolha de Wagner Bittencourt para ministro da  Secretaria Nacional da Aviação Civil, em associação com Luciano  Coutinho. Ele também deve nomear o futuro presidente da Funcef, dentro  do processo normal de sucessão no fundo de pensão dos funcionários da  Caixa, segundo fontes do PT.
Apesar da ameaça inflacionária e da valorização do real frente ao dólar,  Dilma atravessa um momento de tranquilidade em seu tradicionalmente  inquieto partido, apesar de não serem poucas as queixas como as de  Berzoini. Há apreensão também no movimento social, até agora absorvida  pela convicção de que a presidente está no caminho certo quando procura  combinar aumento de juros com as medidas macroprudenciais. Mas cem dias,  como reza a tradição política, é o período de trégua tradicional dada a  qualquer governo, inclusive pela oposição. O governo de Dilma está  apenas começando e fez apostas altas: enquadrou o PMDB, mexeu no comando  de uma das maiores empresas privadas do país, e tenta conter a inflação  com outras medidas além do aumento da taxa de juros. O rosto desses cem  dias é o de Guido. Se o governo perder a aposta, não será Dilma a pagar  a conta.
Da Redação com Click PB 
 
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