Programa de tv nacional denuncia irregularidades em programa de internet grátis da PMJP
Mais uma denúncia de dinheiro público mau usado. Em 2010, um projeto que transformaria João Pessoa numa cidade digital, coberta por internet grátis e sem fio, foi anunciado com festa, consumiu milhões de reais, mas hoje não funciona.
Quem o inaugurou foi o atual Ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, que na época do lançamento era Secretário de Ciência e Tecnologia da capital da Paraíba.
Um produtor do Fantástico marcou uma reunião com um representante da empresa que fez a instalação. Imaginando estar diante de uma nova oportunidade de negócio, o representante falou abertamente em pagar propina.
Veja agora, na reportagem de Maurício Ferraz, Bruno Tavares, João Paulo Medeiros e Alberto dos Santos.
Um show de rock lota a praia da capital paraibana. Foi assim - com festa e políticos presentes - a inauguração do projeto Jampa Digital, em março de 2010.
Neste vídeo, que está na internet , o então secretário de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, Aguinaldo Ribeiro, diz: “internet de graça pra toda galera de João Pessoa. Parabéns”.
Hoje, Aguinaldo Ribeiro é Ministro das Cidades. O projeto era audacioso: João Pessoa se tornaria a primeira capital digital do país: monitorada por câmeras, com escolas informatizadas. E o principal: todos os moradores teriam internet grátis e sem fio.
Na orla de João Pessoa, dois anos depois, tentamos várias conexões, durante o dia, à noite, no final de semana e nada de internet por aqui”.
E mais: há indícios de que equipamentos foram comprados muito acima dos preços de mercado.
O Fantástico fez contato com a empresa Ideia Digital Sistemas, Consultoria e Comércio Limitada, responsável pela implantação do projeto. Sem saber que era gravado, o representante da Ideia Digital fala em propina. “O que vem se praticando é 5% a 10%. Dos negócios que eu atuei, foi mais ou menos isso”, conta.
Março de 2010. A prefeitura de João Pessoa faz propaganda, sobre a fase inicial do projeto. “Você pode acessar à internet gratuitamente na estação Cabo Branco, na orla, e em breve em mais 14 praças”.
Na inauguração, o então Secretário Municipal e hoje Ministro Aguinaldo Ribeiro foi apresentado assim:
- Nós ouviremos o Secretário de Ciência e Tecnologia. A pessoa responsável pela implantação desse projeto transformador que é o Jampa Digital. Com a palavra, Aguinaldo Ribeiro.
- Tá aí, internet de graça sem fio pra toda galera de João Pessoa. Parabéns.
Aguinaldo Ribeiro se elegeu duas vezes deputado estadual pelo Partido Progressista.
De agosto de 2008 a fevereiro de 2009, foi Secretário de Ciência e Tecnologia do estado da Paraíba.
Reportagens de jornais da Paraíba mostram que ele já falava em distribuir internet pra população. Nesta, de janeiro de 2009, ele promete - numa audiência na Assembleia Legislativa - internet de graça na orla de João Pessoa em seis meses. E declara: "Estamos trabalhando para que todos os paraibanos tenham acesso à internet". Em dezembro de 2009, assumiu a Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia de João Pessoa.
No dia da posse, o então prefeito Ricardo Coutinho atestou: "Há algum tempo, Aguinaldo Ribeiro acompanha o processo de implantação do Jampa Digital". Três meses depois, na condição de Secretário Municipal, Aguinaldo Ribeiro inaugurou o projeto.
A concorrência foi vencida pela Ideia Digital Sistemas, Consultoria e Comercio Limitada, no mercado há 20 anos.
O contrato foi assinado pelo antecessor de Aguinaldo Ribeiro na secretaria municipal.
Mês passado, um produtor do Fantástico ligou para a Ideia Digital.
E simulou ser assessor de uma prefeitura interessada em pôr internet de graça na cidade. Tivemos autorização do prefeito para fazer o contato. Já nessa primeira conversa, o funcionário - que se identificou como Luiz Carlos - diz que pode ajudar em "muita coisa".
“A gente pode ajudar, até como é ano de eleição. Tem muita coisa que a gente pode ajudar, mas aí a gente pode conversar pessoalmente”.
No dia sete deste mês, nosso produtor se encontrou com outro funcionário. Daqui a pouco, você vai ver a proposta dele para desviar dinheiro público. “Uma parte do valor, a gente programa o que vai passar para vocês”.
Em julho de 2009, a Ideia Digital ganhou a concorrência para fornecer 75 itens - entre equipamentos e programas de informática - para a prefeitura de João Pessoa. Também ficou responsável pela instalação e manutenção.
Nossa equipe fez levantamentos de preços e também consultou especialistas em informática.
Verificamos que diversos equipamentos do contrato estavam acima do preço de mercado.
Um exemplo: A Ideia Digital vendeu, para a prefeitura de João Pessoa, 16 câmeras de segurança. Cada uma por cerca de R$32 mil reais.
Outra empresa ofereceu, em 2008, uma câmera do mesmo modelo ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte. O preço: menos de 11 mil, a unidade.
Apenas dez dias após inaugurar o projeto da cidade digital, Aguinaldo Ribeiro deixou a Secretaria de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, entrou em campanha e se elegeu deputado federal.
Um relatório de inteligência financeira - feito a partir de informações repassadas pelos bancos - aponta movimentações classificadas como atípicas - ou seja - fora do normal, em contas bancárias dele.
Segundo o documento, essas transações aconteceram em agosto de 2006; setembro de 2007; agosto de 2008; e entre janeiro e outubro de 2009.
Movimentação atípica não significa ilegal.
Para verificar se houve crime ou não, o relatório foi entregue a procuradores e à Polícia federal. Os órgãos públicos não se manifestam sobre apurações desse tipo que estão em andamento.
Procurado pelo Fantástico, o Ministro das Cidades não quis gravar entrevista.
A assessoria dele divulgou dois ofícios endereçados ao Ministério Público da Paraíba e ao Tribunal de Contas daquele estado.
Nos ofícios, Aguinaldo Ribeiro diz que, quando assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, a licitação e a contratação do Jampa Digital já tinham sido concluídas, e que nunca liberou recursos para o projeto.
Afirma ainda que há mais de 20 anos exerce atividade empresarial, e que sua movimentação financeira é compatível com o patrimônio declarado à receita.
E a rede de internet de graça da prefeitura? Funciona?
“Nós estamos no ponto exato onde teve o lançamento do projeto cidade digital. Quando a gente tenta conectar, não acontece nada”.
Em vários pontos da cidade, o resultado foi o mesmo. Durante 30 dias de tentativas, nenhuma conexão.
Também pedimos a profissionais de informática que tentassem.
“Não conectou. É porque o sinal tá muito pobre. Tá aberto, mas tá pobre”, explica Aquiles Burlamaqui, professor de computação.
“Não consegue conectar, não consegue trafegar dados”, diz Emerson Weirich, engenheiro eletrênico.
Ricardo Coutinho - que era prefeito de João Pessoa na época da inauguração do Jampa e hoje é governador da Paraíba - também não quis gravar entrevista.
Em nome dele, falou o procurador-geral do estado. “Pode estar tendo algum problema de natureza técnica pra efeito de acessar. Agora, que os equipamentos estão lá, estão”, afirma Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral do estado.
Gilberto Carneiro da Gama era secretário de administração de João Pessoa e chegou a assinar contratos relativos ao Jampa.
Diz que a contratação da empresa Ideia Digital seguiu a lei.
“Nós não podemos obrigar as empresas a participar, se ela tem um preço menor. Se ela tem um preço menor e não participou da licitação, a gente não pode obrigá-la. Esse é o problema da licitação”, explica Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral do estado.
Fantástico - Não tem nenhum item superfaturado?
Gilberto Carneiro da Gama - Eu entendo que não. Porque se trata de uma composição dentro de uma aquisição de equipamentos e serviços.
A prefeitura de João Pessoa diz que está investindo um milhão e meio de reais no projeto e que o governo federal repassou 4 milhões e setecentos mil.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação confirmou o valor.
Disse ainda que a prefeitura informou - numa prestação de contas em agosto de 2011 - que onze, dos vinte pontos públicos de acesso à internet, teriam sido instalados.
Como você viu no início desta reportagem, nosso produtor ligou mês passado pra empresa Ideia Digital.
Ele simulou ser assessor de uma prefeitura interessada em instalar internet de graça na cidade. Vamos repetir a resposta do funcionário, pelo telefone: A gente pode ajudar, até como é ano de eleição. Tem muita coisa que a gente pode ajudar, mas aí a gente pode conversar pessoalmente”.
No dia sete deste mês, aconteceu a reunião, que você vai ver agora, em detalhes.
Nós estamos numa sala bem ao lado, acompanhando em tempo real, toda conversa entre o nosso produtor e o representante da empresa.
Ele se apresenta como Paulo Sacerdote, gerente de negócios. Nosso produtor pergunta sobre a tal ajuda mencionada por outro funcionário, pelo telefone.
- Que forma a gente poderia ter esse apoio? - Você fala de apoio financeiro, diretamente? - É. - Pronto. Existem alguns clientes. Vocês vão ter que informar pra gente o percentual. Não estou aqui me fechando a nada. Mas, normalmente, o que vem se praticando é 5 a 10 por cento. Dos negócios que eu atuei, foi mais ou menos isso. Assim que a gente receba o recurso, uma parte do valor, a gente programa o que vai passar para vocês.
O gerente diz que a propina pode ser maior, se a Ideia Digital for contratada.
- Você é o dono do cofre aqui. Porque existem situações que a gente vai, o prefeito diz: "Só vou liberar se for por isso". Aí, a gente vai ver o que a gente pode fazer.
Nosso produtor diz que teria R$900 mil para gastar com o projeto.
O representante da Ideia Digital faz as contas: seria possível desviar R$180 mil. Ou seja, 20% do valor do contrato.
- O que você tem no máximo pra gastar é 900 ( mil reais)? - É. - R$180 mil. - Quando o especialista vier aqui, ele já sabe que vai ter que sobrar uma "gordura" disso. - Você já fica encarregado de orientar? - Já, já. Deixa comigo, você não fala nada.
Paulo Sacerdote explica seus métodos. Diz que alguns dos serviços - como capacitação de funcionários - constariam no contrato, mas não seriam feitos.
- Tem formulários, frequência... Tudo que a capacitação foi feita. Ou seja, mostramos relatórios que fez, quando, na verdade, serviu para fazer frente às suas necessidades.
- Deu certo em outros casos?
- Graças a deus, até hoje.
No contrato entre a Ideia Digital e a prefeitura da capital da Paraíba, os preços de vários equipamentos incluem o treinamento de pessoal.
O gerente da empresa diz ao nosso produtor que a negociação pode ser fechada sem concorrência pública.
Ele propõe usar um instrumento legal chamado Ata de registro de preços. - A Ata é muito utilizada pelos órgãos públicos pra economizar tempo. A gente faz no Brasil inteiro.
Ata de preços é uma relação com os valores dos equipamentos que serão fornecidos pela empresa que venceu uma concorrência pública.
Como as atas já são resultado de uma licitação, a lei permite que, durante, pelo menos, um ano, outros órgãos públicos usem essas atas como referência para comprar produtos iguais. E sem abrir concorrência.
No projeto da prefeitura de João Pessoa que - como você viu - tem indícios de superfaturamento, foi feita uma ata dessas, com os preços da Ideia Digital.
O gerente da empresa diz ao nosso produtor que essa ata, de João Pessoa, não está mais valendo e sugere outra: do governo de Pernambuco.
Em dezembro passado, a empresa ganhou uma licitação milionária para informatizar mais de 500 escolas pernambucanas.
- Se vocês tiverem recurso, pode usar até a ata toda. Dá um total de R$150 milhões.
O governo de Pernambuco disse que ainda não publicou essa ata de preços - mencionada pelo gerente da empresa. Portanto, ela não poderia ter sido oferecida ainda.
O governo informou que será aberta uma auditoria sobre a licitação, e que a Ideia Digital recebeu até agora 14 milhões e trezentos mil dos 140 milhões e meio de reais do contrato.
Ao nosso produtor, o gerente da empresa - Paulo Sacerdote - pede que as próximas conversas telefônicas sejam em código.
- Sempre que você quiser falar de recursos, fale outro nome. Documento. Vou precisar de 180 "documentos". Uma coisa do tipo, pra eu entender.
Quinta-feira passada, o Fantástico foi à sede da Ideia Digital, em Salvador, Bahia.
Paulo de Tarso, o dono da empresa, falou por telefone.
Fantástico - O senhor nunca ofereceu propina pra fechar contratos com órgãos públicos? - Óbvio que não. É uma empresa que tem um histórico absolutamente sério de atuação.
Na sexta-feira, o gerente Paulo Sacerdote se defendeu.
Disse que só falou em propina porque o nosso produtor - que simulou ser assessor de uma prefeitura - insistiu.
- O fato é que ele insistiu tanto até pra eu interromper a conversa, eu comecei a dizer assim: 'para o senhor, cinco por cento é o suficiente?Voltei pra empresa onde alinhei toda a nossa diretoria a conversa tida com esse gestor e tecnicamente, financeiramente, o que ele estava propondo e automaticamente, isso foi rechaçado. Não temos qualquer interesse de estar ofertando propina, seja lá pra quem for.
- Assim que a gente receba o recurso, uma parte do valor, a gente programa o que vai passar para vocês.
No ofício encaminhado à Procuradoria-geral de Justiça e ao Tribunal de Contas da Paraíba, o Ministro Aguinaldo Ribeiro solicitou que as denúncias mostradas nessa reportagem fossem apuradas.
O Fantástico também tinha pedido ao ministro que falasse sobre um outro fato, descoberto por nossa equipe durante a apuração dessa reportagem. Mas não tivemos retorno.
É o resultado de uma auditoria do Tribunal de Contas da Paraíba, que diz o seguinte: Em 2008 e 2009, quando era deputado estadual, Aguinaldo Ribeiro e também uma irmã e o pai dele receberam - juntos - quase 137 mil reais da Assembleia Legislativa. Usaram o dinheiro público para tratamento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um dos mais conceituados do país.
A família do atual Ministro é uma das mais tradicionais do Nordeste.
A conclusão da auditoria: Aguinaldo Ribeiro não faria parte do rol de pessoas carentes para que o estado o ajudasse em suas necessidades mais elementares.
E a população? Será que algum dia todos vão conseguir usar a internet de graça da prefeitura?
Procuramos o atual prefeito de João Pessoa, Luciano Agra, que não se pronunciou.
Foi marcada uma entrevista com dois secretários do município, um diretor do departamento de tecnologia e uma chefe de gabinete.
Mas, ao saber de detalhes dessa reportagem, eles desistiram. “Eu não gostaria de gravar”.
A prefeitura mandou uma nota, em que afirma que o Jampa Digital seguiu a lei.
Falou ainda que houve uma brusca redução da verba e por isso o projeto não chegou a todos os locais previstos. E que os problemas de conexão se devem a falhas em um equipamento, que foi encaminhado ao fabricante.
Cidadão de João Pessoa, Ivam cansou de esperar e criou o Taxi Digital, com sinal liberado de internet para os clientes e que funciona em toda João Pessoa.
“Seria um sonho. Não precisaria ter investido nesses equipamentos”, diz Ivam Souza, taxista.
Fantástico.globo.com
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